Situação hipotética elaborada para fins ilustrativos: imagine que o fast food de rede da esquina, no qual você frequentemente compra um combo de hambúrguer com fritas e refrigerante para aquela noite preguiçosa de domingo, vinha vacilando na receita há um tempo. Nunca foi um sanduiche gourmet nem nada, mas, recentemente, a carne parece sem tanto gosto, ou molho meio insosso, ou as batatas mais gordurosas que crocantes, ou o refrigerante de máquina aguado demais.
Porém, continua o frequentando. Afinal, é o lanche rápido e cheio de ultraprocessados que satisfaz a vontade. E mesmo que saiba que outros lugares podem entregar um prato mais elaborado, até mesmo mais nutritivo, você gosta daquele sabor artificial. Até que, um dia, esses problemas são sanados e o combo volta a ser tão gostoso quanto pode ser. Inevitavelmente, fica a dúvida: aquilo está realmente bom ou só parece bom porque, antes, estava ruim?
Essa lógica pode ser aplicada em “Besouro Azul”. O filme dirigido por Angel Manuel Soto e estrelado por Xolo Maridueña (de “Cobra Kai”) e Bruna Marquezine (de “Mulheres Apaixonadas”) é bastante divertido, tem sequencias de ação muito bacanas, personagens carismáticos e consegue preencher todas as “obrigatoriedades” de uma origem de herói sem se levar tão a sério.
O problema é o contexto atual do cinemão hollywoodiano. Filmes de herói, junto de outros que se apoiam em alguma propriedade intelectual extensa, se tornaram o pilar da cultura pop no início da década passada. De modo que, nos últimos meses, foram vários longa-metragens chegando às salas que apelaram para fórmulas bem parecidas entre si.
No quintal da DC na Warner, o histórico recente é triste: “Adão Negro”, “Shazam! Fúria dos Deuses” e “Flash”. Além de encalhes na bilheteria, os três longas testam a paciência do espectador com roteiros fracos, direções esquisitas e efeitos visuais inapropriados para seus orçamentos milionários.
Talvez por isso “Besouro Azul” consiga se destacar positivamente. É uma aventura cheia de coração, bem amarrada, que costura fantasia e ficção-científica num tom colorido e energético. E com efeitos visuais bacanas, diferente de seus predecessores.
Na trama, basicamente calcada na terceira geração do personagem relatada nos gibis Novos 52, acompanhamos o jovem Jamie Reyes, um graduado em Direito que retorna para a casa de sua família em Palmera City com mais dívidas do que esperanças de um grande futuro. As coisas parecem ter chances de melhora quando ele cruza com Jenny Kord, que lhe promete uma oportunidade de emprego nas empresas Kord após o garoto “salvá-la” numa situação.
No dia da entrevista de emprego, calha de Jaime ter em mãos um artefato alienígena que vinha sendo estudado por Victoria (Susan Sarandon), CEO malvada da Kord, como meio de criar um exército de destruição em massa. O artefato, um escaravelho azul, se liga ao corpo de Jaime, que se torna uma espécie de ciborgue ultrapoderoso. E como consequência, o moleque ganha um alvo nas costas, que coloca sua família em perigo por conta da ambição de Victoria.
Não é uma história original. Há elementos estéticos presentes nos filmes de “Homem de Ferro”, “Homem-Aranha” e “Venom”, como a aparência do traje, a visão computadorizada do protagonista e a voz em sua cabeça.
E a direção de Angel Manuel Soto passa longe de sutilezas: Susan Sarandon age como uma vilã dos Looney Tunes, a família de Jaime se comporta como um estereótipo de mexicanos exagerados vistos pelo estadunidense médio (o que é estranho, já que o diretor é porto-riquenho).
Mas há um entusiasmo que extrapola os defeitos e paga a experiência toda. O casal formado por Xolo e Bruna possui química em tela. A irmã de Jaime, Milagros (Belissa Escobedo), e seu tio, Rudy (George Lopez), são alívios cômicos escritos sem medo de irem a fundo no ridículo. E o roteiro reserva uma porção de momentos de pura bobagem adolescente que deixam o clima bem mais agradável do que outras tentativas nos já mencionados predecessores.
Minha piada predileta é sobre como sai um gás de uma nave em forma de besouro. Porém, as duas que despertaram risadas mais fortes da plateia na sessão em que assisti foram sobre a voz do besouro alertando Jaime de que uma quantidade anormal de sangue estava se concentrando em parte de seu corpo, e uma com sua avó (Adriana Barraza) dizendo que ele era igual a quando criança depois de usar o traje do besouro pela primeira vez.
Só que fast food não é prato gourmet, e por mais que “Besouro Azul” seja um bom acerto após uma sequência de filmes terríveis da DC, é impossível não compará-lo, por exemplo, com a despedida agridoce de James Gunn em “Guardiões da Galáxia Vol. 3” ou com o desbunde animado de “Homem-Aranha: Através do Aranhaverso”, pérolas desse ano dentro do “gênero” de herói.
Filme bem legal em comparação ao que de pior já saiu, mas mediano em relação aos melhores. Só o tempo dirá se ele ficará ou não na memória.